- Ricardo Terrinha
H. P. Lovecraft, o terror nas palavras
Howard P. Lovecraft é uma figura polémica, sendo algumas das suas afirmações, sem dúvida, condenáveis. Contudo, o senhor da ficção obscura de Providence, Rhode Island, deixou um legado que merece destaque e reconhecimento, a par de gigantes que tanto inspirou, como Stephen King, George R.R. Martin e H.R. Giger. Trata-se de um caso exemplar do valor da obra ser infimamente superior ao valor do homem.

Lovecraft criou, nos seus mitos, o solo de onde iria brotar o género literário: Cosmicismo. Uma vertente muito marcada por temas de existencialismo e um geral apateísmo, reconhecendo uma indiferença universal perante o ser.
Na sua obra, o oceano é demasiado vasto e incompreendido, a floresta demasiado densa e intransponível e o espaço sideral avassaladoramente desmedido e por explorar. A pouca importância e a total impotência da humanidade são levadas ao extremo, quando confrontadas com entidades de incomportável desconhecimento.
O terror 'Lovecraftiano' envolve temas de anti antropocentrismo, perda de sanidade, vulnerabilidade e sentimentos de impotência face ao que aparenta ser omnipotente. A ideia de que não só não estamos sozinhos no universo, como só fazemos parte de um grão de areia nas dunas do espaço e tempo, é recorrente e importante. Leva o leitor a assumir um papel secundário, a interpretar o planeta como palco e a idealizar o cenário - a terra que pisamos e a água que nos mantém vivos, como autoridades anciãs, numa sociedade que teima em viver do imediato. Não deveria ser necessário ao Homem, como autointitulada espécie racional, a presença esmagadora de uma entidade com tentáculos, para ganhar algum senso de humildade e noção de que, o que nos rodeia, merece, se não o nosso respeito, a nossa consideração.
“O Chamamento de Cthulhu” é talvez o seu Magnum Opus. A descrição do antagonista é infame e o seu design levado em vários medias, até ao dia de hoje. Sendo o conto, o agente catalisador de várias reproduções, como, por exemplo, no álbum “Master of Puppets" da banda Metallica e vários videojogos, filmes e séries dentro do mesmo tema.
Este reconhecimento só viria após a sua morte em 1937, quando dois escritores com os quais Lovecraft correspondia inauguraram a Arkham House - a primeira editora que organiza e publica os seus textos compilados. Desde então, de forma mais ou menos intencional, os seus contos, personagens e conceitos estão no nosso quotidiano, com filmes marcantes como Alien ou séries extremamente populares como Stranger Things. É então de estranhar o desprezo, por muitos, dos seus ideais. Escolhem consumir o superficial, os monstros, sem querer saber do rasto viscoso que os segue. Não sendo um fenómeno exclusivo à sua obra, os contos de H.P.L pedem outra leitura, o seu terror não é eficaz por ser instantâneo, mas sim por ser primordial, por tanto nos querer rebaixar à nossa posição original.
Lovecraft é melhor servido numa noite confortável, onde a pressa do mundo passe ao lado, para que o tempo seja consumido pelas trevas do oculto e o leitor engolido pela cheia das palavras.

“The oldest and strongest emotion of mankind is fear, and the oldest and strongest kind of fear is fear of the unknown.”
– H.P. Lovecraft